Jovem baleado depois de parada gay e vítimas de homofobia reconhecem militar autor do disparo
Terceiro sargento pode pegar 20 anos de prisão por tentativa de homicídio duplamente qualificado. Grupo Arco-Íris convoca caminhada em Ipanema
Rafael Lemos e Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
Reconhecimento foi um ato de coragem dos jovens. Sem separação por vidro, como acontece nas dependências adequadas para identificação de suspeitos, a vítima e as quatro testemunhas ficaram frente a frente com os militares
O estudante de 19 anos baleado no Arpoador, no Rio de Janeiro, depois da Parada do Orgulho GLBT na Praia de Copacabana, reconheceu o terceiro sargento Ivanildo Ulisses Gervásio, de 37 anos, como o autor do disparo que o feriu na noite do último domingo. Além dele, quatro testemunhas – o namorado do jovem, um amigo e duas pessoas que estavam no Parque Garota de Ipanema na hora do crime – identificaram Gervásio. O militar, que havia confessado o crime na manha desta quinta-feira, está preso temporariamente por determinação da Justiça Militar.Apesar de outros dois militares estarem envolvidos no caso, segundo as testemunhas, só Gervásio ficará preso por enquanto. Os outros envolvidos, segundo o delegado Fernando Veloso, da 14ª DP (Leblon), são Jonathan Fernandes da Silva e o tenente Luiz Gustavo. Eles também confessaram ter saído do Forte de Copacabana, com Gervásio, para forçar os homossexuais a deixar o Parque Garota de Ipanema. “Vamos analisar o caso com muita cautela para determinar com precisão todas as responsabilidades”, explicou Veloso. O reconhecimento foi um ato de coragem dos jovens. Sem separação por vidro, como acontece nas dependências adequadas para identificação de suspeitos, a vítima e as quatro testemunhas ficaram frente a frente com os militares. Além dos três acusados de participação no caso, foram postos lado a lado quatro homens de características físicas semelhantes.“A identificação foi unânime”, disse Fernando Veloso. Os três militares e os quatro ‘falsos suspeitos’ foram perfilados e orientados a não “encarar as testemunhas”. Os jovens, então, identificaram o terceiro tenente Gervásio pelo número. Vítima e testemunhas estavam acompanhadas de um representante da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.
Segundo Veloso, os militares podem pegar até 20 anos de prisão por tentativa de homicídio duplamente qualificado - por motivo fútil e sem chance de defesa da vítima. "Não está descartada a hipótese de disparo acidental, mas isso não é isenta o militar de culpa, pois o policial manipulou a arma depois de empurrar a vítima", explicou Veloso.Testemunhas – O reconhecimento dos militares ganhou força com a participação do namorado do jovem baleado – que até então não tinha prestado depoimento – e de uma testemunha que estava no local. A testemunha chegou a dar informações ao Disque-Denúncia e foi convencida, pelo atendente, a apresentar-se à polícia.
"Senti medo no momento da identificação. Mas amigo é para essas coisas. É uma sorte ele estar vivo. Estou muito feliz por ele", disse o jovem H., 16 anos, uma das testemunhas. H. viu o estudante ser agredido, fugiu do local e assistiu ao episódio escondido atrás de uma árvore, de onde testemunhou a agressão e ouviu o disparo.
Apesar da confissão e do reconhecimento do autor do tiro, a investigação será complementada com laudos periciais. Foram encaminhados para perícia no Instituto de Criminalística Carlos Éboli a camisa da vítima e cartões bancários que estavam com uma das testemunhas. Segundo o delegado, a testemunha contou que, como estava sem documentos, apresentou cartões bancários ao militar. Os cartões, de material plástico, podem conter impressões digitais do acusado.A conclusão do caso mostra a distância entre a igualdade de direitos – defendida pelos participantes da Parada do Orgulho LGBT, na Praia de Copacabana – e a situação real da homofobia no Brasil. Para o presidente do Grupo Arco-Íris, Júlio Moreira, o fato de a agressão ter sido cometida por um agente do estado é um agravante. “Achamos inadmissível que os militares ajam assim. Isso é reflexo da cultura machista e da homofobia existente dentro dos quartéis. Por mais que os militares estivessem incomodados, jamais poderiam utilizar de seu poder como autoridade de segurança para incutir o medo”, diz Moreira.Manifestação - O grupo Arco-Íris, fundado em 1993 no Rio com o propósito de se tonar referência na promoção da cidadania do grupo LGBT, promoverá, no próximo domingo, uma caminhada contra a violência na Praia de Ipanema, marcada para as 14h. O ponto de concentração será a Rua Farme de Amoedo - conhecida por ser um local de encontro entre homossexuais -, de onde os manifestantes seguirão até o Parque Garota de Ipanema, onde o estudante foi baleado. Os manifestantes querem aproveitar a ocasião para reforçar o pedido de aprovação do Projeto de Lei 122, de 2006, para tornar crime o preconceito contra homossexuais.
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