A sexualidade humana se manifesta por meio de padrões culturais historicamente determinados.
No Brasil ela é marcada por claros antagonismos e concilia valores morais como a virgindade e a
castidade à exaltação da sensualidade carnavalesca. Além disso, diversos discursos morais e
ideológicos sustentam a intolerância diante de comportamentos, práticas e vivências da
sexualidade que não estão em conformidade com o padrão heterossexual e patriarcal da nossa
sociedade.
Esses opostos se refletem na dinâmica social contemporânea do País. O Brasil, mesmo
agrupando o maior número de pessoas em paradas do orgulho GLBT no mundo – três milhões de
pessoas participaram da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo em 2007 –, ainda é uma
sociedade marcada por altos índices de violência e de violação dos direitos sociais por motivo de
orientação sexual não heterossexual e identidade de gênero discordante ao sexo biológico.
Estima-se que, a cada três dias, um cidadão GLBT seja assassinado no País.
Um Estado democrático de direito não pode aceitar práticas sociais e institucionais que
criminalizam, estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivos de sexo, orientação sexual
e/ou identidade de gênero. A prática sexual entre adultos do mesmo sexo é um direito de foro
íntimo, bem como o é a apresentação social do sentimento de pertencimento a um determinado
gênero, independente do sexo biológico. O arbitrário rebaixamento moral de GLBT – que sustenta
a homofobia – associa as práticas homoeróticas e as apresentações sociais de gênero
discordantes do sexo biológico ao desvio moral de conduta.
Essa idéia de desvio moral ou anomalia social priva essas pessoas dos direitos de ir e vir, da
liberdade de expressão e associação, do livre desenvolvimento da personalidade, da autonomia e
dignidade, além de comprometer os direitos sociais à saúde, ao trabalho, à educação, ao
emprego, ao lazer, e à segurança privada e pública.
O avanço na promoção da cidadania de GLBT requer o reconhecimento do direito sexual como
direito humano. Essa discussão teve início no debate sobre violência sexual e da saúde
reprodutiva das mulheres e atinge, agora, outros atores sociais que sofrem violação de seus
direitos devido à sexualidade, como GLBT e profissionais do sexo.
A consideração Bioética das novas tecnologias e intervenções sobre os corpos também é
fundamental para a garantia de diversos direitos de cidadania. O compromisso ético-político com a
superação dos processos de estigma e marginalização de GLBT requer o questionamento de
medidas correcionais – tratamentos curativos para a homossexualidade, travestilidade e
transexualidade – e a democratização dos benefícios decorrentes dos avanços tecnológicos,
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como, por exemplo, as novas tecnologias de reprodução humana assistida.
O desafio que se coloca ao Estado brasileiro é o da mudança de valores e representações sociais,
e também das dinâmicas institucionais que violam sistematicamente os direitos de GLBT, já que
muitas vezes o próprio estado é um dos principais violadores de direitos. Um esforço que requer a
articulação entre sociedade civil organizada, academia e a gestão das políticas públicas com o
objetivo de resgatar esses sujeitos de um quadro alarmante de exclusão e prejuízo social rumo à
inclusão e ao pleno exercício e gozo da cidadania.
A Constituição Brasileira de 1988 foi um marco histórico, jurídico e ético-político. Ela criou
condições para o aprofundamento das discussões e ampliação das mobilizações sociais, além de
propiciar a adoção de medidas institucionais voltadas para garantir a construção de uma cultura
em defesa dos direitos humanos e do respeito às diversidades, afirmando a heterogeneidade e a
pluralidade como valores nacionais.
No entanto, a garantia desses direitos constitucionais não atinge, na realidade cotidiana, várias
parcelas da população. Pessoas estão vulneráveis aos processos de exclusão social devido a
fatores como condição sócio-econômica, regional, de idade, gênero, etnia, cor, e também
populações em situação de rua, em situação carcerária, pessoas com deficiência físico-mental,
idosos, dentre outros. A orientação sexual e a identidade de gênero devem ser compreendidas
como condicionantes e determinantes da situação de vida das pessoas na sobredeterminação a
esses outros fatores de vulnerabilidade.
Os movimentos sociais organizados se pautam principalmente na denúncia e no enfrentamento às
discriminações e injustiças, buscando reafirmar e garantir os direitos humanos e sociais para os
diferentes grupos. A população GLBT também vem se organizando e alcançando visibilidade em
vários eventos de repercussão nacional, como também na inclusão do tema nas agendas de
representantes do legislativo e de governos sensíveis às questões sociais. Uma mobilização que
vem ascendendo fortemente no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) em 2005 foram realizadas 75 paradas em diversas
localidades do País, passando para 102 em 2006 e para 300 em 2007.
Essa ampla mobilização social – conseqüência da crescente organização do movimento GLBT no
Brasil – abriu espaços governamentais para a discussão de estratégias de enfrentamento aos
processos discriminatórios. Um claro exemplo foi a experiência, no início da década de 1990, que
propôs política pública específica a GLBT no campo da segurança pública. Foi a criação do
Disque Defesa Homossexual (DDH), da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de
Janeiro, com a função de receber denúncias e defender os direitos dos cidadãos, através da
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articulação entre o sistema de polícia e a comunidade. Uma iniciativa de grande relevância, pois,
até então, os dados de violência contra GLBT no Brasil eram apenas os notificados pela mídia, e
que passaram a ser sistematizados e divulgados por dossiês publicados pelo Grupo Gay da Bahia
a partir da década de 1980.
O DDH e as mais recentes pesquisas com amostras populacionais nas Paradas do Orgulho GLBT
– articuladas em parcerias entre entidades da sociedade civil, academia e o governo federal –
revelaram o caráter amplo e silencioso da homofobia. Uma prática discriminatória que permeia
campos cotidianos da vivência de GLBT, como a família, a vizinhança, a escola, o trabalho,
partilhando – na maior parte das vezes – agressor e vítima da mesma rede social. Delegacias de
polícia, centros de saúde e espaços de lazer também são mencionados como ambientes
marcados pela homofobia. Travestis e transexuais aparecem como os segmentos mais
vulneráveis às agressões físicas e verbais.
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